Os índios Goitacases e Puris que habitavam nossa região

 


OS GOITACASES

        Quando os europeus se estabeleceram no baixo Itabapoana, pouco antes de 1540, encontraram uma nação indígena chamada, pelos tupis, de goitacás. Os cronistas divergem sobre o significado da alcunha, embora haja uma certa unanimidade em traduzir o nome goitacás como corredor, ou nadador. Atualmente, é de conhecimento geral que os goitacases são do tronco chamado de macro-gê, e não falavam o tupi. Eram, grosso modo, tapuias (bárbaro ou inimigo em tupi).

        Os primeiros contatos foram, de certo modo, pacíficos. Os goitacases da região aceitaram o estabelecimento dos portugueses, animados e interessados no comércio de bens manufaturados como machados, facas, anzóis, pentes e espelhos, que eram novidade e tinham muita utilidade para eles. Chegaram mesmo a trabalhar na formação dos canaviais, em troca desses bens.

        Mas os goitacases eram arredios. Um incidente envolvendo um chefe indígena acabou por levantar a tribo, que destruiu e queimou os canaviais. Feita a paz, logo outro incidente aconteceu, e desta vez a guerra foi ainda mais renhida; destruíram e queimaram novamente os canaviais e os recém montados engenhos, e por fim expulsaram os europeus do baixo Itabapoana. Depois disso, os goitacases passaram a evitar qualquer contato com os europeus, assaltando-os e combatendo-os sempre que necessário, e não aceitando fazer paz.

        Antes da chegada dos europeus, os goitacases estavam em expansão. Haviam descido o Paraíba do Sul, assenhorando-se dos campos que hoje pertencem ao município de Campos dos Goitacazes e arredores. Haviam chegado ao litoral a não muito tempo. Tal fato é atestado pelos sítios arqueológicos tupi encontrados no baixo Itabapoana, cuja datação não é muito anterior ao início do século XVI. Esses sítios, inclusive, foram identificados apenas como acampamentos provisórios, sem evidências que atestem uma permanência estável. As crônicas da época atestam que os goitacases guerreavam com grupos tupis do sul do Espírito Santo, e que expulsaram os tupis papanases do litoral.

        Cronistas antigos chegam à afirmar que uma partida de goitacases, dos que expulsaram os europeus do Itabapoana, foi ter ao Espírito Santo em 1546/1547. A maioria reza que eles chegaram até o rio Benevente, que banha a atual cidade de Anchieta. Alguns mencionam que eles foram ainda mais além, atingindo Guarapari; há ainda menção de que os goitacases chegaram às proximidades de Vila Velha, chegando a atacar os estabelecimentos portugueses lá existentes. Seja o que tenha acontecido, verossímel parece que organizaram e executaram uma expedição que subiu o litoral, e é provável que tenham atingido a região de Anchieta, voltando para o sul logo depois.


COMO ERAM?

        Eram muito bons nadadores, e sentiam-se à vontade no ambiente de brejos e lagos da região. Não formavam aldeias, e não praticavam a agricultura como os tupis. Nômades, suas hordas vagavam pela região praticamente sem se fixar em algum sítio, os tornando muito móveis e "corredores", como se falava da linguagem da época. Viviam da caça/pesca e da coleta. Suas tribos lutavam umas com as outras, mas por vezes se confederavam quando havia algum inimigo em comum. Homens e mulheres combatiam, diferentemente dos tupis, onde só os homens iam para a guerra.

        Suas hordas não eram muito numerosas. As cabildas possuiam cerca de 200 pessoas, entre homens, mulheres, velhos e crianças. Estavam divididos, no final no século XVI, em 4 grupos maiores, cada grupo contendo entre 3 e 5 hordas aparentadas.


O QUE ACONTECEU COM ELES?

        Após guerrearem e expulsarem os europeus do baixo Itabapoana, passaram a ser muito temidos entre os portugueses. Todos que passavam pelo litoral do atual norte fluminense o faziam com cautela, e só desembarcavam em terra em último caso. Entre 1546, quando expulsaram os portugueses do Itabapoana, e 1594, quando foi organizada uma expedição punitiva contra eles, essa parte do Brasil permaneceu inacessível ao europeu. Após a referida expedição, os goitacases recuaram do litoral e se internaram nos campos do baixo Paraíba do Sul, mas continuaram ameaçando a zona litorânea com suas correrias e obstaculando qualquer estabelecimento português.

        Alguns anos depois, no início do século XVII, grassou entre os goitacases severa epidemia, que muito os debilitou. Uma frouxa aliança entre ingleses e holandeses, que tentaram se estabelecer perto da sua zona, pode ter sido a origem da epidemia, embora seja crível que a doença tenha ceifado vidas de tempos em tempos. As autoridades portuguesas, alarmadas com a presença dos estrangeiros, logo organizaram uma expedição para expulsá-los antes que se consolidassem no terreno. Ato contínuo, após desarticular a tentativa inglesa/holandesa, levaram a guerra aos debilitados goitacases. Junto com aliados tupis, os portugueses massacraram várias cabildas. A guerra foi tão cruel, que os goitacases abandonaram os campos do baixo Paraíba do Sul e as lagunas, internando-se no noroeste fluminense.

        Em 1617, finalizada a guerra, tupis do Rio de Janeiro e, mais tarde, do Espírito Santo, foram deslocados para formarem Aldeamentos no litoral, sob a coordenação dos padres Jesuítas. Para se ter noção da gravidade da epidemia e da guerra que assolou os goitacases, os remanescentes de uma tribo inteira deles foi ter à um dos Aldeamentos, pedindo para serem aldeados. Os campos dos goitacases esvaziaram-se de tal forma que, quando a região foi doada em sesmarias à alguns portugueses e brasileiros ainda no século XVII, já não haviam mais índios selvagens por lá. Apenas o nome "Campos dos Goitacazes" ainda fazia lembrar de que ali haviam vivido esses bravos indígenas.

        Os remanescentes das debilitadas hordas que não se renderam afastaram-se para o interior, e os estudiosos afirmam que eles acabaram mesclando-se com grupos também do tronco macro-gê que habitavam as cabeceiras dos rios Muriaé e outros rios da região. Alguns pesquisadores entendem que os coropós e os puris do século XVIII e XIX seriam resultado dessa mescla.


E EM MIMOSO?
Goitacases expulsos, chegam os Tupis.

        Como vimos, a região do Itabapoana era habitada e percorrida, no século XVI, pelos índios goitacases. No início do contato com os europeus, chegaram a trabalhar pacificamente na formação dos canaviais da região da atual cachoeira das Garças, em troca de bens manufaturados e mantimentos. Desentendidos com os forasteiros, fizeram contra eles duas guerras, e por fim os expulsaram do Itabapoana em 1546.

        Organizaram uma partida que correu pelo litoral, atingindo no mínino a região de Anchieta. Depois dessa correria, retornaram aos seus sítios no atual norte fluminense. Até 1594 impediram qualquer estabelecimento na região, e nesse ano foram batidos por uma expedição que os repeliu do litoral. Foi somente nessa data que o Itabapoana tornou-se relativamente "seguro" para se povoar novamente. Próximo ao ano de 1620, os Jesuítas construíram uma Capela (Nossa Senhora das Neves) e formaram uma Fazenda (Muribeca), deslocando para a região do Itabapoana índios tupis que estavam reduzidos em Anchieta, então chamada de Rerigtiba.

        Um pequeno grupo desses índios se estabeleceu na região da cachoeira das Garças, onde viviam em cultura de subsistência, com pequena lavoura de mantimentos e vivendo da atividade pesqueira. O nome dessa pequena aldeia era São Pedro Apóstolo, que passou à ser chamada coloquialmente de São Pedro do Norte, por causa da aldeia de São Pedro do Cabo Frio (atual São Pedro da Aldeia).

        Sem o perigo dos goitacases, expulsos da região, esses índios tupis semi-aculturados viveram tranquilos na aldeia de São Pedro por cerca de dois séculos, até que começaram à ser acossados pelos puris no final do século XVIII. A aldeia era pequenina, e não tinha mais que 50 moradores.

        Várias vilas, e até cidades atuais, tiveram origem parecida à da aldeia de São Pedro - índios tupis aculturados ou semi-aculturados que foram formar pequenas roças de subsistência nas proximidades de algum Aldeamento, Fazenda ou Igreja/Capela Jesuíta, e passaram a se dedicar à pesca. Essa é a origem remota das atuais Piúma, Itaoca/Itaipava, Meaípe, Perocão, Santa Cruz, Riacho, dentre outras. Representam a chamada cultura maratimba, os nossos caboclos, tão celebrada por Rubem Braga em seus escritos.

Gerson França

 

OS PURIS

 

Os índios Puris eram hábeis pescadores que viviam originalmente no Litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro. No entanto, tiveram que se adaptar às regiões serranas a partir de 1500 em conseqüência da chegada dos portugueses, e a conseqüente escravização, algo que os Puris não suportavam, comum em todas as tribos.

Foi então que se viram forçados a se acuar pelo interior do Brasil. Em uma dessas imersões chegaram à região da Serra do Brigadeiro, um dos seus últimos redutos, antes denominada Serra dos Arrepiados. Encurralados pelos europeus e por algumas tribos indígenas mais selvagens como os Boruns, mais conhecidos por Botocudos ou Aymorés, dominantes do Vale do Rio Doce. A única opção de sobrevivência foi mesmo se adaptar às matas fechadas e ao frio da Serra dos Arrepiados, nome esse dado em referência aos Puris. Em 1680 o Capitão Antônio Raposo de Barretos, em uma de suas “Bandeiras” na caça aos índios, escrevendo ao correspondente comercial no Rio de Janeiro, expressava receio de perder os 40 (quarenta) Puris que seu filho tinha trazido da Serra da Mantiqueira.

O índios Puris só conseguiram sobreviver por mais tempo devido à sua imersão em matas e serras de difícil acesso, como a Serra dos Arrepiados, que até ao final do século XIX, mantinham-se boa parte de sua cultura e costumes, alguns destes ainda preservados por famílias, que a priori, se dizem descendentes dos indígenas.
Até pouco tempo julgava-se extinta a cultura e o povo Puri, porém, mais recentemente, tem-se notícia da existência de inúmeros descendentes que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes, além de marcarem presença no folclore e no imaginário religioso.
Os Índios Puris são lembrados até hoje através de suas heranças culturais, podendo-se destacar a Dança de Caboclo, uma das mais importantes manifestações folclóricas da nossa região. Esta dança é praticada hoje sob a forma de apresentação artística, pelo grupo FOLGUEDO dos ARREPIADOS.
De acordo com pesquisas realizadas, esta dança era praticada pelos próprios índios Puris, com o passar do tempo e devido a uma forte perseguição à sua cultura, principalmente as de maior expressão, como as danças e outros rituais religiosos, foram sendo deixadas pelos seus últimos remanescentes, inibidos, e em alguns casos proibidos de cultuar e praticar seus costumes. Daí então, em memória aos Puris, descendentes e remanescentes começaram a praticar a dança e cantos em forma de folclore, surgindo a popular “Dança dos Caboclos”.

 

EM MIMOSO...

Em Mimoso dos Sul dos Puris habitavam às margens do Rio Muqui do Sul vivendo nas matas fechadas que haviam no local. Eram hábeis caçadores e pescadores. Consta-se que em de 1837 aportou o primeiro posseiro da região o Sr. Francisco José Lopes da rocha e sua família, que ordenou a abertura das matas para realizar plantações nestas terras. Isso causou aos índios certa contrariedade pelo seu modo de viver. Com isso alguns líderes indígenas intimaram o detentor daquelas terras a se retirar. Visto que aquilo não lhe pertencia e ele estava alterando os costumes locais.

Porém corajoso, Francisco Lopes apontando uma espingarda para os índio disse que Dalí não sairia, pois havia requerido aquela sesmaria na Corte, e que por sua vez era de sua posse. À noite os índios voltaram ao rancho e roubaram panelas e todos os utensílios da casa. Francisco da Rocha e mais dois camaradas bem armados percorreram uma a uma, as choupanas dos índios, e, na 10ª encontrou todos os utensílios roubados, os levando de volta a casa.

De longe um dos índios acerta uma flecha no umbigo de Lopes da Rocha e foge logo depois para dentro da mata. Francisco Lopes foi submetido a um tratamento de toucinho cozido sobre o ferimento e depois foi encaminhado para Limeira para fazer acompanhamento médico em Campos. Por volta de 1850, novos posseiros se instalaram na região para se dedicar a agricultura e em busca do ouro fino, que segundo relatos dos índios, havia em uma das cachoeiras do Rio Muqui do Sul. Com isso os Puris foram perdendo ainda mais o seu território na região. 

Thiago Costa Santiliano

FONTE: Grinalson Francisco Medina

Os Puris e os Botocudos

O território capixaba por muito ficou desolado e até mesmo proibido à exploração do seu interior. Lá por meados do séc. XVIII nos sertões do território brasileiro, ainda dividido em capitanias, encontravam-se espaços pouco conhecidos, temidos e desejados, com muito ouro, terras férteis, lugares de risco e perigo, áreas fracamente ocupadas pelo homem branco e, no caso do leste da capitania, habitadas pelas tribos indígenas dos Botocudos, Coropós, Coroados e Puris.

Os Puris eram hábeis pescadores que viviam originalmente no Litoral do Espírito Santo e Rio de Janeiro. A partir de 1500, porém, foram obrigados a se adaptar e se refugiar nas frias regiões montanhosas com a chegada dos portugueses, mais a temida e consequente escravidão, algo que estes índios abominavam, além de encurralados pelos europeus e por algumas tribos mais selvagens como os Botocudos que dominavam o Vale do Rio Doce. Maria de Jesus, no livro em que trata de Muribeca, área próxima à foz do Itabapoana, faz citações desde o início da colonização quando procedeu-se à catequização dos Puris e Botocudos pelos padres da Companhia de Jesus no aldeamento da Fazenda da Muribeca, local do primeiro grande passo dado à colonização do sul do Espírito Santo.

Os Puris estavam distribuídos em grupos desde o Rio Paraíba, penetrando na parte oriental de Minas Gerais, e os Goitacases entre o Baixo Paraíba e Macaé, até o Espírito Santo. Nesta área havia duas principais nações de tapuias: os Guaymorés ao norte e os Guaytacases ao sul, hoje conhecidos como Aimorés e Goitacases.  Estes índios habitavam regiões próximas ao Caminho Velho e o Caminho Novo. O Caminho Velho iniciava-se por Parati, no RJ, porém em 1725 o Caminho Novo começou a ser criado, abrindo-se novas picadas na mata, resultando na inevitável expulsão dos índios da região.

 

Os índios Puris são identificados como descendentes dos Coropós e Coroados, ou muito parecidos, também em seus aspectos culturais, como descrevem os cientistas Von Spix e Von Martius nas expedições realizadas no início do século XIX. Estes indígenas como todos os de outras tribos em geral apresentavam os seguintes aspectos físicos: baixos ou de estatura mediana, robustos, largos, achatados, pescoço curto e grosso, formas arredondadas, pés largos e dedos grandes, pele macia de cor parda-escura, cabelo comprido liso de cor negra, sem cabelo nas axilas e peito, rosto largo, testa estreita, nariz curto, olhos pequenos, boca pequena e dentes claros.

 

Segundo grande parte dos estudiosos modernos, os Goitacases falavam uma língua parecida com a dos Puris e, ainda segundo eles, os Puris e os Coropós seriam os descendentes da mescla entre Goitacases e Gês do sertão, lembrando que ambos eram do tronco macro-gê e viveram na mesma região geográfica, embora em épocas diferentes. Infelizmente, não nos foi legado algum dicionário Goitacás-Português. Um padre jesuíta chegou a compilar um através os Goitacases agrupados em um aldeamento tupi, mas a obra não sobreviveu no tempo.

 

Já da língua puri existem alguns dicionários. O mais famoso foi compilado em 1889, pelo engenheiro Alberto de Noronha Torrezão. Ao final do “Dicionário dos Puris”, está o veredito de um dos índios entrevistados que disse ter assistido à guerra dos Coropós com os Botocudos e que, acompanhando os primeiros, atravessou duas vezes o Rio Doce em perseguição dos segundos, tendo perdido um irmão nestes combates.

 

Cita também que o terreno aquém do Rio Doce ficou limpo de Botocudos, mas que os mineiros tendo acabado com os Puris, os Botocudos outra vez voltaram para o sul e, dizimados como se encontravam os Puris e Coropós, não puderam resistir aos Botocudos, a não ser mais para cima, para os lados de Muriaé (MG) onde estavam outros grupos de Coropós e Coroados.

O termo botocudo é a denominação dada pelos portugueses aos indígenas pertencentes a grupos de diversas filiações linguísticas e regiões geográficas, uma vez que a maior parte usava botoques labiais e auriculares, acessórios que na verdade eram peças arredondadas, as vezes até de grandes dimensões, que fixavam nos lóbulos das orelhas e nos lábios, conferindo-lhes aparência particularmente assustadora.

Os Botocudos, também chamados Boruns ou Aimorés, pertenciam ao tronco macro-gê (grupo não-tupi-guarani) como os Goitacases e viviam do sul da Bahia ao norte do Espírito Santo e região do vale do rio Doce. Ainda há botocudos nas bacias dos Rios Mucuri e Pardo. Caracterizavam-se por sua violência. Consta em várias citações que tinham o costume da antropofagia, atacando aldeias de Puris ou de Goitacases, seus adversários tradicionais, ou caravanas de viajantes e até fazendas de sesmeiros, incendiando o que encontravam no caminho.

Cronistas antigos já atestavam que os Goitacases falavam uma língua diferente da língua tupi - era mais "bárbara" e "truncada" e os tupis não a compreendiam. Chamavam estes povos Gês de Tapuias (bárbaros, inimigos). Já a língua dos Puris era diferente da dos demais indígenas de outras tribos, caracterizava-se por um vocabulário esparso, do qual alguns viajantes fabricaram pequenos dicionários. A língua puri era falada nos vales do Itabapoana, médio Paraíba do Sul e nas serras da Mantiqueira e das Frecheiras, entre os rios Pomba e Muriaé. Dividia-se em três subgrupos: sabonan, uambori e xamixuna.

Com a descoberta do ouro nas proximidades, os bandeirantes passaram a investir nesta região e a partir de 1780 começou um verdadeiro extermínio aos Puris. Com a crise do ouro, existia a preocupação em aumentar os campos de minerações e, sabendo-se da existência de ouro na região, de imediato organizaram-se expedições, sendo a primeira em Julho de 1780 por um ano, quando ocorreram várias mortes e escravização de índios Puris.

A segunda expedição, de Julho de 1781, foi mais desbravadora ainda. Abriram-se caminhos por toda a região, seguida de distribuição de terras e incentivo à mineração e à agricultura. Os conflitos entre índios e brancos se tornaram então cada vez mais frequentes e contínuos, acarretando na matança dos índios que não eram considerados pelos “invasores”, ou melhor, pelos europeus, donos das terras nem seres dignos de respeito.

Com isto, viu-se a necessidade de intensificar o processo de “civilização”, criando aldeamentos sem nenhum critério, misturando-se tribos e etnias diferentes, introduzindo a eles os valores europeus, sem nenhum respeito à sua cultura nativa. Os índios que se rebelavam ou aqueles que não se submetiam eram caçados e praticamente exterminados, através inclusive de guerra bacteriológica principalmente com o vírus da varíola introduzida nas aldeias através de presentes.

Também eram comuns massacres promovidos por soldados do governo e até mesmo o estímulo de guerras entre tribos, além de matanças isoladas, promovidas por fazendeiros, que se viam no direito de eliminar “obstáculos”. Os índios Puris só conseguiram sobreviver por mais tempo devido à sua imersão em matas e serras de difícil acesso. Até o final do século XIX, mantinha-se boa parte de sua cultura e costumes, alguns destes ainda preservados por famílias que se dizem descendentes destes indígenas.

Os Puris tinham sua sociedade composta por um chefe, por um pajé e homens e mulheres com funções distintas. O chefe era eleito pela astúcia, braveza e habilidades de guerreiro e não tinha poder efetivo sobre seu povo: Ao pajé se destinavam as tarefas religiosas e rituais de cura; aos homens cabiam a fabricação de armas, a caça e a guerra; as mulheres cuidavam da colheita, de recolher as caças abatidas e cuidar das vasilhas e demais utensílios usados na tribo.

Cada índio podia escolher mais de uma esposa, eram polígamos. A sociedade indígena desta espécie não exercia a agricultura nem a navegação, retiravam da natureza seus meios de subsistência. Por isso, viviam em habitações provisórias como nômades.

Eram devotos de várias entidades poderosas, contemplavam a natureza e seus fenômenos como deuses. Usavam colares protetores para afastar animais ferozes. Ressalta-se o papel do pajé como símbolo maior do poder da religião entre os índios. Após o falecimento, eram colocados em vasos de barro junto a seus pertences e sua habitação abandonada por medo do espírito do morto.

O significado da palavra Puri, em tupi, pode ser "… gentinha ou povo miúdo ou comedor de carne humana”, contudo esta segunda não pode ser comprovada apenas pelos relatos dos viajantes da época. Também há relatos descrevendo os Puris como traiçoeiros e desumanos com os homens brancos, contudo esses atos podem ser tidos como resistência contra as agressões para defesa de seu território, sua família, sua tribo. Para o autor Cláudio Moreira Bento:

"…Não se conhecia fato algum de um Puri que haja matado um branco. Quando os brancos embrenhavam-se na mata para colher a planta medicinal poaia, ao encontrarem os Puris estes se punham a correr arriscando-se furtivamente a apanharem para seus usos as ferramentas dos brancos. O próprio nome Puri significava na língua deles gente mansa ou tímida."

Quanto aos costumes e hábitos indígenas, a contradição da busca por riquezas pelos portugueses e a indiferença do índio pelas coisas materiais eram fatores que o homem branco não conseguia compreender, pareciam exóticos, incompreendidos e mal-interpretados. Eram opostos extremos, os índios almejavam a harmonia com a terra para o seu sustento e o europeu buscava apenas a riqueza, adentrando a mata e tomando posse do que antes era de todos, e que, a partir de então, passaria a ser do homem branco.

Os Puris foram descritos como calmos e receptivos por alguns e valentes e armados, por outros, de fato, podemos perceber que o homem branco facilmente os combateu. Os brancos adentraram a mata fechada, favorecendo embates entre os exploradores e os índios. Com a exploração das terras, o índio também foi empregado. Sabe-se que leis tratavam de impor que não fossem exterminados, mas como em toda história brasileira e, nesta região não seria diferente, a extinção dos indígenas ocorreu. Os Puris sumiram da área sem deixar rastros não existindo sinais de quando partiram, mas sabe-se que a sua extinção se deu ainda no século XVIII.

Até pouco tempo julgava-se extinta a cultura e o povo Puri, porém, mais recentemente, tem-se notícia da existência de inúmeros descendentes que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes, além de marcarem presença no folclore e no imaginário religioso. Os Índios Puris são lembrados até hoje através de suas heranças culturais, podendo-se destacar a Dança de Caboclopor regiões mineiras, uma das mais importantes manifestações folclóricas daquela região.

De acordo com pesquisas realizadas, esta dança era praticada pelos próprios índios Puris. Com o passar do tempo e devido à forte perseguição à sua cultura, principalmente às de maior expressão, como as danças e rituais religiosos, o costume foi sendo esquecido pelos remanescentes, inibidos, e talvez proibidos de cultuar e praticar seus costumes.

A principal fonte de documentação dos Puris no momento encontra-se perdida. O padre Manuel Eufrazio de Oliveira, sucessor do padre Francisco das Chagas Lima (1757-1832) que catequizou esses índios quando foi pároco de Queluz na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, mencionou a existência de um catecismo bilíngue elaborado pelo Pe. Francisco e que o teria enviado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O conhecimento dessa língua ficou prejudicado pela falta de documentação. Restam apenas algumas listas de palavras.

Alberto Torrezão, responsável pelo melhor material conhecido dos Puris, em 6 de setembro de 1885 encerra suas anotações com os ensinamentos de dois remanescentes dos puris, um já idoso e outro seu sobrinho-neto,  Manoel José Pereira e Antônio Francisco Pereira, que lhe passaram alguns vocábulos desta língua desconhecida, resultando em uma amostra escassa. Nesta ocasião encontravam-se domiciliados em terras dos Srs. Frades, na localidade do Gramma, a três léguas aproximadamente daquele arraial, o Arraial do Abre-Campo em MG.

Com esforço e dedicação podem ser realizadas pesquisas e escavações arqueológicas nos sítios e fazendas por toda região sul capixaba e norte fluminense para resgate de uma definitiva fonte de pesquisa sobre os índios que habitaram a região. Além de é claro fornecer material que confirme que a ocupação do sul capixaba foi diferente de todo os demais pontos do Estado.

                                           

                                                              Índios Coroados

                                

                                                             Índios Botocudos

Thiago Costa Santiliano